sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Tecnologia muda estratégia de comunicação em campanhas eleitorais

A Era Digital viabiliza novos métodos de persuasão. Agora, não é mais preciso repetir uma mentira mil vezes para que pareça verdade, como defendia o propagandista nazista Joseph Goebbels. Com a ajuda da big data (grande conjunto de dados armazenados), candidatos podem aferir desejos íntimos de cada pessoa, oferecer mensagens personalizadas e adotar os formatos que mais lhe atraem. Tudo isso em escala industrial.

O uso desse tipo de técnica chamou a atenção durante a campanha eleitoral norte-americana. No Brasil, a utilização da big data por políticos está só começando. Responsável pela campanha virtual de Donald Trump, a empresa Cambridge Analytica já está em atividade também no Brasil, onde firmou parceria com a CA Ponte. Entre os serviços oferecidos, estão, segundo o site da empresa, pesquisa de mercado, para descobrir “como a sua audiência pensa e se comporta”; integração de database para centralizar “seus diferentes bancos de dados para trazer muito mais valor a eles”; data analytics, que permite conhecer “profundamente a sua audiência”; segmentação da audiência, a fim de prever “segmentos da população com maior afinidade com a sua campanha” e comunicação segmentada, desenvolvendo “campanhas multi-canais para engajar segmentos prioritários”.

Assim como a CA Ponte, várias empresas disponibilizam serviços desse tipo. Até a eleição passada, o pagamento pelo impulsionamento de publicações para determinados públicos na rede não era permitido. A reforma eleitoral permite o impulsionamento, mas ainda há controvérsia. O texto aprovado pelo Congresso Nacional dispõe que é “vedada a veiculação de qualquer propaganda paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos”.

No dia 18 de dezembro, o TSE divulgou resoluções que detalham as regras eleitorais, inclusive sobre o ambiente virtual, e manteve limites à propaganda na internet. De acordo com o tribunal, as propagandas somente poderão aparecer nos sites de candidatos, partidos e coligações, sendo vedada em páginas que pertençam a pessoas físicas ou empresas privadas. Todas as resoluções podem ser modificadas até o dia 5 de março, prazo final para publicação das regras eleitorais.

Antes, o contato com os eleitores ocorria essencialmente “de forma analógica”, a começar pelo diálogo direto com a população, o chamado corpo a corpo. Além disso, pesquisas feitas por diferentes institutos buscavam captar informações sobre os eleitores.



Há, contudo, diferenças questionáveis em relação ao que era feito e o que tem passado a ser viabilizado pelas novas tecnologias, na opinião do coordenador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Fernando Neisser. Antes, todos esses materiais poderiam ser conhecidos, o que permitia aos eleitores saberem as ideias dos políticos. Agora, eles podem escolher apresentar conteúdos para uns, sem que outros tomem conhecimento disso.

Na principal rede social existente no Brasil, essa estratégia pode ocorrer por meio do chamado dark post. Trata-se de uma publicação patrocinada segmentada para um grupo específico de pessoas e que não aparece na timeline da página que gerou esse conteúdo. Isto é, um candidato pode dizer que defende a legalização da maconha para pessoas que concordam com essa ideia e falar exatamente o contrário para aquelas que discordam, sem que essas opiniões sejam visíveis para quem procurar na página dele informações sobre propostas.

Além de afetar o eleitor individualmente, o direcionamento excessivo pode prejudicar o debate na sociedade. É o que aponta a integrante da organização Actantes, Patrícia Cornils. “Tomemos como exemplo o Jornal Nacional. Todos nós podemos assistir e, a partir disso, construir uma crítica ou uma concordância sobre os conteúdos. Já essa propaganda direcionada é absurdamente fragmentada. Só quem está fazendo e direcionando sabe quem a está recebendo. Como é que você cria um debate público sobre as políticas?”.

O tema foi discutido durante o Seminário Internet e Eleições, promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) este mês. O tribunal, que criou Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, escutou de especialistas propostas para garantir um pleito democrático e transparente. Nesse sentido, Fernando Neisser propôs que a regulamentação do novo artigo da reforma eleitoral que libera o impulsionamento de publicações na internet aborde essa questão, fixando que “os candidatos podem impulsionar conteúdos, desde que eles sejam públicos”.

Dados pessoais

Para que o direcionamento seja efetivo, diferentes empresas usam os dados que todos produzimos ao clicar em anúncios e visitar sites, entre outras ações dentro e fora da rede. À Agência Brasil, o Facebook informou que não vende dados pessoais dos usuários. O próprio administrador de uma página, contudo, pode saber quem e quando acessou determinada página; se posts com vídeos ou fotos obtiveram maior alcance etc. E as empresas de big data trabalham a partir desse tipo de informação, cruzando-as com outros bancos de dados.

Para Patrícia Cornils, os usuários brasileiros  “estão extremamente vulneráveis” a esse tipo de prática comercial porque não há, no país, leis voltadas à proteção dos dados pessoais. A Actantes e outras organizações articuladas em torno da campanha Seus Dados São Você cobram a aprovação de medidas que possam garantir privacidade e controle dos cidadãos sobre suas próprias informações. O cenário eleitoral poderia ser mais transparente e democrático “se você tivesse uma lei de proteção que definisse a autonomia dos usuários sobre os dados, a transparência das empresas e também criasse a possibilidade de denunciar abusos”, pondera.

No Congresso Nacional, tramitam diversos projetos sobre o tema. O principal está em análise na Câmara dos Deputados, que criou uma comissão especial voltada a analisar o PL 5276/2016, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais para a garantia do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa natural. Para que essa proteção seja desenvolvida também pelos próprios usuários, a organização Artigo 19 criou uma série de vídeos ensinando como se proteger ao utilizar jogos, buscadores e aplicativos.

Não vale tudo

Preocupadas com o uso abusivo das tecnologias nas eleições, diversas organizações – entre as quais o Instituto Update, AppCivico, a InternetLab e a Agência Lupa – lançaram uma campanha intitulada Não Vale Tudo. Na carta que apresenta a iniciativa, destacam que o uso de dados é valioso para potencializar o diálogo entre candidatos e cidadãos, mas que seu uso deve ser realizado com responsabilidade. “Somos contra o roubo ou compra de dados de terceiros sem consentimento. Precisamos ter certeza de que a coleta de dados pessoais é o resultado da mobilização da campanha, sendo tais informações cedidas de forma consciente e informada”, informa o texto.

As instituições argumentam que é preciso que os cidadãos tenham acesso a informações detalhadas sobre que tecnologias os candidatos utilizarão nas eleições. Integrante da AppCivico, Thiago Rondon propôs, durante seminário no TSE, no início deste mês, sobre internet e eleições, que essa lista seja cobrada na prestação de contas dos candidatos. Entre os itens que deveriam ser informados, estão: softwares, aplicativos, infraestrutura tecnológica, serviços de análise de dados, profissionais e empresas envolvidas na construção e consultoria da nossa campanha. “Além da prestação de contas financeira com doações e fornecedores, é necessário também uma transparência detalhada das tecnologias utilizadas em uma campanha”, diz outro trecho da carta.

Facebook

Participante do Seminário Internet e Eleições, a representante do Facebook, Monica Rosina, disse que a empresa colabora com a Justiça brasileira e que tem desenvolvido mecanismos para dar mais informações sobre a publicação de anúncios na rede.

Citando o Marco Civil da Internet e sua política de limitar a responsabilização das plataformas pelos conteúdos postados por terceiros, ela argumentou que  “não cabe ao Facebook, como ente privado, substituir o papel do juiz, que é o de decidir quanto à licitude ou ilicitude de tal conteúdo”.

A empresa, de acordo com Rosina, tem acatado as decisões judiciais e dialogado com o TSE sobre as novas regras. Nesse sentido, elogiou proposta, em discussão na corte, de apontar a necessidade de apresentação do endereço virtual, a URL, como requisito para validade de ordens judiciais que prevejam a remoção de conteúdos.

Com esse mecanismo, se um conteúdo for apontado como violador de direitos, apenas ele poderá ser indicado e suprimido, se for esta a decisão judicial. Para a advogada, esse tipo de ação preserva o equilíbrio entre a liberdade de expressão e outros direitos, além de garantir celeridade no cumprimento das ordens.

Questionada pela Agência Brasil sobre a possibilidade de veto ao chamado dark post, a empresa indicou que tem ampliado seus mecanismos de transparência e que eles devem ser testados no Canadá. Não há previsão para adoção deles no Brasil.

Em resposta à reportagem, a empresa Google afirmou que não tem serviço exclusivo e dedicado a candidatos. Questionada sobre a possibilidade de eles contratarem serviços que priorizem a própria aparição no mecanismo de buscas, a companhia detalhou que foram feitas mudanças no rankeamento das informações. “Combinamos centenas de indicadores para determinar quais resultados mostramos para uma determinada busca – dos conteúdos mais recentes ao número de vezes que seu termo de busca aparece na página. Ajustamos nossos indicadores para ajudar a trazer páginas mais confiáveis e rebaixar conteúdo de má qualidade”, diz a companhia.

Em relação aos anúncios, acrescentou que os resultados de pesquisa são exibidos como links em páginas de resultados e não fazem parte das soluções de publicidade do Google, ao passo que os comerciais são exibidos com o rótulo "Anúncios" e podem ser dispostos em locais próximos aos resultados de pesquisa gratuitos. A companhia publicou na rede o relatório Como Combatemos Golpes, Anúncios e Sites Enganosos em 2016.

A Google também foi questionada sobre sua política de tratamento de dados pessoais. Ela disse que não vende dados de usuários e que os utiliza “para exibir anúncios que sejam úteis aos usuários, conforme as configurações de anúncio escolhidas pelos próprios usuários, mas não vendemos dados pessoais”. A íntegra da política de privacidade adotada atualmente está disponível na internet.

A Agência Brasil entrou em contato com a CA Ponte, mas foi informada de que o porta-voz da empresa não tinha agenda disponível para entrevista.

Edição: Talita Cavalcante

Agência Brasil

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